sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Falando de Felicidade

Por Alice Vieira 
LI JÁ NÃO SEI ONDE que a Assembleia Geral das Nações Unidas decretou que o dia 20 de Março vai ser o Dia Internacional da Felicidade. A ideia partiu, ao que parece, do minúsculo reino do Butão que, em vez do PIB (Produto Interno Bruto), adota como estatística oficial a “Felicidade Nacional Bruta”. Isto em português soa um bocado mal, espero que em butanês (ou na língua que lá se fala) soe bastante melhor…
Que bom, num mundo com tanta tragédia, haver um dia consagrado à Felicidade. (E, já agora, um pequeno parêntesis perfeitamente pessoal: deixem-me felicitar quem teve a ideia de o colocar no dia 20 de março, dia em que eu faço anos, o que me vai dar, a partir de agora, ainda muito mais razões para o festejar... Adiante). No dia 20 de Março, como todos sabemos, acaba o inverno. O que significa também que a Felicidade vai ficar ligada à primavera.
E, em tempos de crise e de depressão, como a que vivemos, nunca é demais lembrá-lo.
Mas, deixem-me confessar, que também não me agradava lá muito uma felicidade como a que se vive no Butão.
Há dias, zapando pelos canais do cabo, vi um documentário sobre o Butão. O Butão é um reino minúsculo, completamente isolado e fechado ao mundo (o que as montanhas onde está instalado propiciam), onde as pessoas vivem da agricultura como na Idade Média, dividindo o seu tempo entre o trabalho na terra e as idas aos templos. Preservam esse isolamento para que, segundo afirmam, nada possa alterar a tradição e os rituais. Estrangeiro é bicho muito raro por lá.
Tem, realmente, uma paisagem deslumbrante, mosteiros magníficos - e uma única estrada a atravessar o país. Se calhar, a felicidade também tem a ver com um trânsito sem complicações, e o completo desconhecimento do que é hora de ponta. Praticamente não se usa dinheiro, não há consumo.
No Butão é-se feliz porque - convenhamos - também não se pode ser outra coisa. E é isso que me apavora.
Que mérito poderá ter a minha luta pela felicidade se não tenho de combater a infelicidade?
Que mérito terá a minha realização pessoal e profissional se não tenho muita coisa que me realize?
Como posso discutir ideias se não há nada para discutir?
E de que falam as pessoas quando se juntam — se não há dívidas do Passos Coelho, prisão do Sócrates, a Troika, a família Salgado a amar-se apaixonadamente, o Belmiro a ir para a reforma, o Porto a ver se chega aos calcanhares do Benfica, a canção que mandámos para a Eurovisão e que nem para ir ao Festival da Bandalhoeira servia (com todo o meu respeito pela Bandalhoeira, claro) - essas coisas que fazem a felicidade das pessoas à mesa do café.
Como se pode ser herói se não há obstáculos para vencer?
Como poderíamos desejar tanto a primavera, se não houvesse inverno?
É claro que é muito bom que se encontre um dia no ano para se questionar a nossa Felicidade (ou a falta dela). Mas aflige-me muita a felicidade por decreto.
Por isso, em vez de pensar no Butão (apesar da nossa crise brava e das aparentes maravilhas deles, a meio do documentário eu já estava completamente deprimida…), e no sorriso permanente colado à boca dos habitantes, prefiro, apesar de tudo, voltar à terra, a esta nossa terrível, desesperante, complicada terra onde vivemos, a braços com esta terrível, desesperante, complicada crise que ninguém sabe onde nos leva – e pensar antes na minha amiga Helena Marujo que acredita, contra ventos, troikas , BES e marés, que todos fomos feitos para a Felicidade.
A Helena Marujo é uma cientista conceituada, não escreve livros de auto-ajuda – e, com o marido, Luis Miguel Neto, fundou há uns dois anos, o Instituto da Felicidade. E uma das suas ações mais importantes foi a elaboração de um estudo sobre a felicidade dos portugueses – ideia que lhe veio quando andava a estudar as causas da depressão entre crianças e adolescentes.
 Eu sei que há dois anos ainda não estávamos tão mal como agora, mas a verdade — como de resto ela salienta logo no início — é que nunca estivemos bem… Fomos sempre o povo da desgraça, do fado, o “país cabisbaixo”, como lhe chamou o poeta Alexandre O’Neil. E o que é preciso — seja em que tempo for – é procurarmos novas perspetivas de realização, novas maneiras de viver o dia a dia, novos interesses, novas disponibilidades, um novo olhar para quem vive ao nosso lado.
Carlos Drummond de Andrade escreveu uma vez que “há duas épocas na vida, - a infância e a velhice - em que a felicidade está numa caixa de bombons”…
Pois é preciso saber encontrar, também para outras idades, a respetiva caixa de bombons…
Custa, eu sei - mas antes isso que ser feliz por obrigação legal.

Sem comentários:

Enviar um comentário